![]() Uma vez tive um colega brasileiro com quem eu dividi um apartamento em Dublin e ele tinha acabado de chegar na Irlanda. Em uma de nossas primeiras conversas ele me falou sobre as "prostitutas" no bairro boêmio chamado Temple Bar. Fiquei surpreso porque depois de alguns anos morando perto do Temple Bar, nunca vi uma trabalhadora do sexo. Durante a conversa, percebi que as mulheres a que ele se referia, como trabalhadoras sexuais, eram apenas mulheres usando mini-saia – que é um traje comum na Irlanda e no Reino Unido, mesmo durante o inverno. Para o recem-chegado do Brasil, mulheres mostrando mais pernas do que ele estava acostumado a ver em público tinham uma associação automática à prostituição. Nas minhas primeiras semanas em Freiburg na Alemanha, quando eu estava procurando um lugar para morar, eu estava comendo em um bar com minha mãe quando um grupo de 5 homens se juntou à nossa grande mesa. Durante a conversa eles aprenderam que somos brasileiros e nos disseram com um grande entusiasmo que iriam passar as férias, no mês seguinte, no Brasil. Depois de um tempo perguntei a um deles, que não compartilhava do mesmo entusiasmo que os outros, se ele iria passar suas férias também no Brasil. Ele respondeu com um gesto de mostrar seu anel de noivado no dedo. Na hora pensei que ele estava sugerindo que seus amigos estavam indo para o Brasil com intenções sexuais, especialmente porque o turismo sexual no Brasil é muito comum e muitas pessoas na Alemanha têm a imagem forte da mulher brasileira como sendo fácil de levar para a cama – já que os brasileiros são muitas vezes muito atraídos por estrangeiros. Talvez eu tenha interpretado mal seu gesto, talvez ele estivesse apenas dizendo que não é tão livre para viajar como seus amigos que são solteiros, por causa das responsabilidades familiares, mas eu não pude deixar de pensar em turismo sexual através de sua mensagem silenciosa. Acho interessante o fato de que entre o Brasil, Irlanda e Alemanha o primeiro é o mais conservador e moralista quando o assunto é a nudez, que é uma falsa moralidade para protegê-los de suas próprias mentes sujas. Diferente da Alemanha com muitos parques e saunas onde as pessoas podem passar seu tempo – por conta própria, com amigos ou com suas famílias – completamente nuas. Durante o verão alemão crianças correm e brincam completamente nuas em seus jardins, enquanto no Brasil os pais se preocupam com as partes privadas de suas crianças, ou mesmo com a roupa íntima, sendo expostos em público. No Brasil existem algumas praias isoladas com áreas nuas, mas em geral a nudez não é tolerada ou permitida - nem mesmo o topless em relação às mulheres. No Brasil, a nudez está automaticamente associada à provocação sexual. A Irlanda e o Reino Unido não têm a cultura do nu ao ar livre ou da sauna como nos países nórdicos, mas ninguém se importa com as mulheres mostrando sua pele. Uma vez uma mulher nua, andando nas ruas do Reino Unido, foi parada por um policial, não para repreendê-la, mas, para informá-la sobre a lei dizendo que estar nua em público não é uma ofensa mas se alguém reclama por se sentir ofendido então a nudez dela se torna uma ofensa. Qualquer lugar de banho é suposto ser um lugar onde as pessoas não precisam usar roupas. No sul da França, onde costumava ser comum as pessoas ficarem nuas nas praias, cadavez mais pessoas, e especialmente as mulheres, se sentem menos confortáveis com a nudez por causa da nova geração de homens jovens que automaticamente associam mulheres nuas como um sinal de "disponibilidade para o sexo". As mulheres, então, tornaram-se vítimas mais freqüentes de assédio. Quando comecei a fotografar, na Irlanda, era sempre fácil encontrar pessoas para fotografar, especialmente mulheres. Logo tive minha primeira sessão fotográfica de boudoir que, para minha surpresa, terminou como sessão fotográfica de nus. Foi uma mulher que me contatou procurando por fotos sensuais, mas durante a sessão fotográfica ela se sentiu confortável o suficiente para apenas tirar suas roupas e continuar a fotografar nua. Graças a ela eu tinha fotos para meu portfólio, o que me trouxe mais mulheres querendo fotos nuas, especialmente depois que eu desenvolvi uma linguagem visual clássica com fotos com filme negativos que as pessoas se sentiram atraídas. A maioria das pessoas associa a fotografia nua à pornografia – qualquer coisa pode ser transformada em pornografia de fato, requer apenas imaginação e intenção do espectador[1] – mas não é como eu vejo meu trabalho. Como homem, estou naturalmente interessado na beleza e no corpo das mulheres, mas isso não significa que eu tenha a visão sexual sobre as pessoas que fotografo por estar nu, mas o contrário; tenho um grande respeito pelas pessoas que confiam em mim e em meu trabalho, já que a maioria das minhas sessões fotográficas são apenas eu e a modelo. Algumas pessoas, especialmente no Brasil, rapidamente me perguntam se eu durmo com os modelos que fotografo, ja que elas não conseguem deixar de associar a nudez à atividade sexual. A nudez, ao invés disso, dá às pessoas uma sensação de liberdade. Fotografei apenas dois homens nus e ficou mais evidente o entusiasmo deles por estarem nus - e por terem uma imagem criativa da expressão de seu corpo. Mas eu percebi isso pela primeira vez quando estava fotografando uma mulher que o corpo parecia rígido durante minha direção de poses. Eu lhe disse que ela não parecia confortável e que eu não conseguia obter uma boa composição corporal dela. Ela então me perguntou se dava para eu ver suas partes privadas, ao que respondi dizendo que eu estava muito concentrado na composição corporal, iluminação, ajuste da câmera, enquadramento, foco e na narrativa da imagem que olhando para suas partes privadas nunca me passou pela cabeça. Parecia-me que suas preocupações vinham do fato de eu estar fotografando-a com uma antiga câmera de filme manual, com um anel de foco lento na lente; por causa do sistema, demoro um pouco mais de tempo para encontrar o foco antes de pressionar o botão de disparo da câmera. Eu tentei explicar sobre a câmera para ela, mas ela ficou satisfeita com minha primeira explicação; ela não quis ouvir sobre minha câmera, mas sim continuar com a sessão fotográfica, desta vez sentindo-se completamente livre, sem preocupações sobre o que em seu corpo estar exposto, mesmo que apareça suas partes privadas na foto. É através dos olhos das pessoas que nós confirmamos quem somos [2]. Tememos o julgamento das pessoas, o que nos faz sentir conscientes de nós mesmos. Quando estamos conscientes de nós mesmos, nos sentimos desconfortáveis, dissociados do lugar e das pessoas ao nosso redor, estranhos ao nosso redor, fazendo com que nos encubramos a quem procuramos privacidade. Estar nu e ser aceito como estamos sem roupas significa autoconfirmação e, portanto, auto-aceitação. Isso dá às pessoas mais confiança sobre seu corpo e assim sobre si mesmas, porque elas podem fazer o que quer que estejam fazendo e esquecer-se de si mesmas, sentindo-se mais conectadas com o que quer que estejam fazendo, desfrutando o momento completamente e sentindo-se assim livres. Muitas pessoas me perguntam como convenço as mulheres a tirarem a roupa para as minhas fotos ou como convenço as mulheres a fazerem certas poses quando nuas. Eu nunca precisei convencer ninguém a fazer nada, foi tudo decisão deles em primeiro lugar, sua auto-aparição, para a alegria de aparecer no mundo e agir sem equívocos e sem auto-reflexão que são inerentes à ação[3]. Na Alemanha, é muito mais difícil ter pessoas que querem tirar fotos nuas. Em vez de me pagar, elas querem ser pagas. Muitas vezes tem a ver com o fato de que os alemães são mais cínicos por se sentirem desconfiados sobre as intenções das pessoas, especialmente aquelas quem elas não conhecem. A introversão alemã faz com que se sintam mais alienados das pessoas e, portanto, mais autoconscientes, o que explica a inépcia que muitas vezes os alemães têm. Mas este cinismo e este sentimento desconfortável entre os estranhos não é a principal razão, ao que parece. Acredito que a principal razão é porque eles são mais acoestumados e estão confortáveis o suficiente com seu corpo nu em público. Em vez de sessões fotográficas, para a expressão criativa de sua liberdade corporal, eles preferem ir a saunas e parques públicos nus, onde podem desfrutar da liberdade de seu corpo sem a necessidade de interação com outra pessoa, mas por conta própria ou com suas famílias em suas maneiras introvertidas. O antigo grego tinha a Polis, o espaço público onde as pessoas podiam interagir e se tornar iguais aos outros, o que as separava de sua vida privada onde as pessoas tinham sua própria individualidade. Este espaço público era para Theseus o que permitia ao homem comum suportar o fardo da vida, por proporcionar o espaço seguro para a interação pública, mas era também onde as pessoas escondiam sua individualidade a fim de se tornarem iguais e assim se respeitarem mutuamente [4]. O pensamento cristão medieval e sua tradição social não tinham Polis separando o público e o privado. As pessoas se tornaram iguais umas às outras não através de um espaço político designado para interação política, mas através de cada indivíduo, onde Deus se torna ubíquo aos olhos de cada pessoa, tornando a presença das pessoas pública e sua ação como ação para o próprio Deus [5]. Consequentemente, as pessoas tinham que se esconder mais de si mesmas a fim de preservar sua individualidade. Sinto que os alemães mantêm algo desta separação da tradição pública e privada, com seu círculo fechado de amigos como sua Polis, onde podem interagir e se expressar uns aos outros como iguais, enquanto fora dele podem estar "nus", sem necessidade de esconder sua individualidade para preservá-la; ou como os alemães gostam de dizer, "sendo diretos". Os irlandeses, mantendo uma mentalidade cristã mais antiga, têm o espaço público em cada olhar individual com quem podem interagir e se expressar, a fim de suportar o peso da vida, mas escondendo sua individualidade a fim de preservá-la. A sessão fotográfica parece ser para os irlandeses a esfera privada onde as pessoas podem estar livres da "carga" pública mas, ao mesmo tempo, podem aparecer ao público mostrando sua expressão individual através dos resultados da foto, já que é somente através dos olhos dos outros que podemos nos confirmar. Também parece ser a razão pela qual o chamado "alemão ser direto" é interpretado como rudeza para a maioria dos ocidentais. A cortesia é, de fato, contra a objetividade; ocultar nosso verdadeiro pensamento e desejo de agir, nossa individualidade, para respeitar aqueles através dos quais nos vemos como aos olhos da arena pública - Deus onipresente. Os alemães se sentem livres para não esconder seus verdadeiros sentimentos porque o que os irlandeses vêem como público para os alemães é visto como privado, o espaço onde as pessoas podem ter sua individualidade, ação sem o "fardo" público. A introversão alemã parece ser uma preservação de sua individualidade sobre o que para os irlandeses é suposto ser público. Na sociedade de hoje não existe espaço privado, a não ser nossa própria casa [6]. A família patriarcal deveria ser a realeza privada onde se pode ter nossa liberdade individual à parte do público, a razão pela qual os gregos, que vem de uma sociedade de origem matriarcal, criaram a Polis como contraste ao reino patriarcal privado [7]. Deus ubíquo veio para substituir a Polis durante a época medieval. A Igualdade entre as pessoas é o que está substituindo Deus ubíquo na sociedade de hoje. A igualdade universal invade até mesmo a família patriarcal – o reino privado – a fim de assegurar os direitos básicos de igualdade das pessoas. Diferentes culturas encontram sua maneira de aparecer e de se esconder. Para me manter prolífico com a fotografia nua, depois de me mudar para a Alemanha, comecei a fotografar a mim mesmo; desta vez com câmeras pinhole que trabalham com fotografia de longa exposição. Nunca me senti completamente confortável em estar nu em público - especialmente vindo de uma cultura julgadora e zombadora que é forte no Brasil, onde o público e o privado se fundem e se confundem na tentativa de encontrar sua expressão individual e, ao mesmo tempo, com medo de perder os dois juntos - mas fazer meu trabalho criativo que agora incluía minha própria expressão corporal me fez sentir muito bem e mais confortável em meu próprio corpo. Como uma obra de arte, que criamos a partir de nossa própria expressão, o corpo então se torna uma obra de arte – ou sempre foi – através da qual encontramos nossa individualidade em nossa nudez e, ao mesmo tempo, nossa expressão pública através do resultado da imagem. O público onde confirmamos nossa própria narrativa e que sem tal publico não temos identidade. – [1] HUSTVEDT, S. A Plea for Eros. Separata de; HUSTVEDT, S. A Plea for Eros: Essays. NY: Picador, 2006 [2] ARENDT, H. The Life of the Mind: The groundbreaking investigation on how we think. New York: Houghton Mifflin Harcourt, 1977. [3,4,5] ARENDT, H. On Revolution. London: Faber & Faber, 2016. [6] ARENDT, H. The Human Condition: Chicago: University of Chicago Press, 2018. Second Edition. [7] RANK, O. Psychology and The Soul. Mansfield Center, CT : Martino Publishing, 2011.
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