![]() Quando nascemos é quando nossa existência começa. Quando morremos é quando deixamos de existir. Nós aparecemos e desaparecemos. Desde o início de nossa existência desenvolvemos o melhor de nossa aparência e depois nos deterioramos até nosso desaparecimento. Como seres vivos, reagimos ao que nos aparece. Cada cheiro, forma, cor, textura e tudo o mais que é percebido pelo corpo faz com que ele reaja somaticamente[1] . Podemos perceber de forma consciente ou inconscientemente o nosso corpo emocionando mas, ainda assim, tudo o que nos aparece nos diz algo sobre nossa própria existência[2] . Talvez pelo fato de percebermos o que nos aparece também queremos aparecer. "Tudo que pode ver quer ser visto, tudo que ouve quer ser ouvido, tudo o que pode tocar apresenta-se para ser tocado. É realmente como se tudo que estivesse vivo tivesse vontade de aparecer, de se encaixar no mundo das aparências. exibindo e mostrando, não seu 'eu' interior, mas a si próprio como indivíduo" (PORTMANN, 1967) [3] Já que percebemos a aparência e queremos aparecer, nossa existência neste mundo pressupõe um espectador[4]. Significa que nada que aparece existe no singular, tudo aparece para outra coisa que reage a sua aparência; Tudo o que aparece deve ser percebido por alguém. Todo sujeito também é um objeto. A aparência garante sua realidade objetiva[5]. A emoção do corpo – a reação do corpo aos estímulos sentidos como emoção – é uma atividade corporal automatizada. Sentimento é a leitura do sistema nervoso da emoção e a associação das emoções às memórias. Como António Damásio explica, as emoções funcionam no campo corporal, enquanto os sentimentos funcionam no ambiente da mente.[6] Quando algo aparece ao nosso corpo, e estamos conscientes sobre a percepção dos nossos sentidos, ele desaparece na nossa mente. O contrário também é verdadeiro, o que nos chega como pensamentos – imagens e palavras mentais – deixa de existir como físico para nossos sentidos, mesmo que o objeto de nossa mente ainda esteja à nossa frente, no campo de nossa visão [7]. Nossas imagens mentais – nossas memórias – mantêm a imagem e a existência (no mundo das idéias) do que desapareceu da percepção do corpo físico. É como se o mundo físico parasse de existir quando somos penetrados por pensamentos. Na direção oposta, é a experiência sensorial do corpo que cala a nossa mente, que faz as coisas parecerem reais. Ser capaz de silenciar a mente, como em um estado meditativo, significa estar disposto a deixar partir o que aparece temporariamente aos sentidos do corpo[8]. De experiências chocantes de surpresa e medo como também a grandes prazeres, as experiências mais impressionantes são aquelas que nos deixam sem palavras, incapazes de descrever, porque nosso corpo e, depois, nosso cérebro, que trabalha constantemente lendo e interpretando as emoções de nosso corpo para criar e comparar memórias e sentimentos[9] , ainda estão processando as informações; ou porque o objeto que aparece para nós ainda está muito presente nos sentidos do nosso corpo. É dito que as grandes obras de arte são as que nos deixam sem palavras, silenciando nossa mente, mesmo que sempre tentemos falar sobre elas. Eventualmente, afastamos a atenção da experiência emocional de nosso corpo e direcionamos nossa atenção para nossa mente - sentimentos e memórias do objeto que sentimos a aparência. "A situação que chamamos de arte caracteristicamente requer que nós olhemos ambos atentivamênte e 'além' (de nossos 'pensamentos') que é entendido como um impedimento, distração, irrelevância". (SONTAG, 1983, p.134) [10] Assim como a grande experiência de amor, é aquela que percebemos através do nosso corpo – a intensidade emocional do corpo que dirige nossa atenção a ele e silencía nossa mente – quando experimentamos o melhor da existência de outras pessoas; o ápice de sua aparência aos nossos sentidos. Não com a mente, que apenas faz com que o corpo se emocione pela nossa imaginação e expectativa de lembranças, ao invés do objeto ou pessoa real que não está presente em nossos sentidos mas sim em nossa mente. Ter consciência significa aparecer para si mesmo, mas aparecer para si mesmo (nossa mente) não é suficiente para garantir sua realidade objetiva [11] . Apenas sob o olhar de outra pessoa que o indivíduo se torna um objeto a si mesmo (HUSTVEDT, p.370) [12] . Através de expressões artísticas, como pintura, escrita, escultura e fotografia, estamos sempre nos comunicando com alguém, um espectador, a quem queremos aparecer; Mesmo que o espectador seja um eu imaginário, a auto narrativa do indivíduo (onde é formado o senso de identidade da pessoa) [13] . É como se o desejo de criar fosse um desejo de aparecer em outro objeto através do qual nossa existência possa ser percebida além de nos mesmos. Também é no trabalho artístico que o artista aparece para si, desta vez não apenas através de sua auto narrativa mental (as imagens mentais de si), mas através de um eu materializado que pode ser percebido pelos sentidos corporais – da emoção – no mundo objetivo. Como se isso confirmasse nossa existência a nós mesmos. O mesmo é a reação das pessoas à nossa própria aparência, que nos confirma nossa própria existência. Quando falta essa interação, sentimos-nos invisíveis. O corpo sente fome de confirmar sua existência. O corpo sente desaparecer, resultando em ansiedade, apreensão sobre sua própria inexistência, e que só pode sentir-se descansado novamente quando os sentidos são alimentados pela reação interativa de sua aparência a outra pessoa, confirmando sua existência. Nessa perspectiva, o sonho que sempre temos quando dormimos, independentemente da falta de memória deles quando estamos acordados, é um estímulo mental à emoção do corpo para confirmar sua existência; Uma autoconfiança mental para confirmar que o corpo ainda está reagindo, ainda está vivo [14]. A ansiedade de criar algo além do eu, pelo qual podemos aparecer além de nós mesmos, concretizar-nos em outra coisa, para garantir nossa aparição e auto-perpetuação, vem da consciência de nossa própria morte, que é a maior ansiedade que se pode ter como humano. Tememos o nosso desaparecimento e é por causa deste medo que criamos cultura, tradições, sociedade, família, mitologia, religiões e, junto com de tudo isso, arte [15] . O senso científico comum, altamente materialista, entende a aparência como uma função da preservação e sobrevivência do corpo. E se a nossa complexa função corporal for o que funciona em função de nossa aparência? Apesar da mente, o corpo tem seus próprios impulsos, seu próprio comportamento automatizado; sua emoção. Até a vida monocelular e protocelular reage pelo que lhes aparece como um impulso corporal; O que Spinoza chamava de Conatus; o poder da existencia [16]. O que povos tribais antigos no oriente chamavam de Mana; a energia de onde vem tudo que aparece [17]. Ser é possuir desejos. Homeostase é o que define a vida; o impulso de se preservar, se perpetuar e garantir sua existência, confirmando-se através de sua auto-exibição; Sua aparência. – [1, 6, 9] DAMASIO, A. The strange order of things: Life, feeling, and the making of cultures. New York: Vintage Books, 2019. [2] EDEL, L. Henry James: A life. New York: Harper & Row, 1985. [4, 9] HUSTVEDT, S. My Louise Bourgeois. Separata de; HUSTVEDT, S. A Woman Looking at Men Looking at Women: Esseys on Art, Sex, and the Mind. UK: Sceptre, 2016. [3, 5, 7, 11] ARENDT, H. The Life of the Mind: The groundbreaking investigation on how we think. New York: Houghton Mifflin Harcourt, 1977. [8} WATTS, A. Tao: The Watercourse Way. New York: Pantheon Books, 1975. [10] SONTAG, S. A Note on Bunraku. Separata de; SONTAG, S. Where the Stress Falls. England: Pinguin Books, 2009. [12] HUSTVEDT, S. Embodied Vision: What Does It Means to Look at a Work of Art? Separata de; HUSTVEDT, S. Living, Thinking, Looking. England: Sceptre, 2013 [13] SACKS, O. The Lost Mariner. Separata de; SACKS, O. The Man Who Mistook His Wife for a Hat. London: Picador, 2011. [14, 15, 17] RANK, O. Psychology and The Soul. Mansfield Center, CT : Martino Publishing, 2011. [16] SPINOZA, B. Spinoza Reader: The "Ethics" and Other Work. Princeton: Princeton University Press, 1994.
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